No Dia Mundial do Livro o Manuel publica aqui algumas reflexões sobre a importância do livro e da leitura. Esta reflexões são fruto de uma recolha realizada pelo professor Pedro Marques durante o período de tempo em que, substituindo a ausência por motivo de saúde da professora Graça Alves, colaborou nas actividades desnvolvidas aqui na casa do Manuel.
(O Manuel chama a atenção dos professores e dos pais para os seguintes factos:
1) a intenção destas reflexões é mesmo essa: reflectir. Seja, as opiniões expressas pelos autores não são necessariamente a opinião cá do Manuel;
2) Uma das reflexões -a 5ª- pode ser de extrema utilidade uma vez que, para além de nos permitir aceder a links de extrema utilidade, aponta práticas pedagógicas que podem potenciar a proficiência dos alunos na escrita e na leitura.)
1.- A Importância da Leitura na Construção do Conhecimento
"Antigamente se acreditava que o conhecimento era transmitido, que passava de uma pessoa para outra. É claro que, por mais que se esforçasse, talvez nosso professor de Português não tivesse conseguido nos transmitir as regras da colocação pronominal. (Sabe aquele papo de próclise, mesóclise e ênclise? Não? Fique calmo, quase ninguém se lembra...) O caso é que fizemos a prova e tiramos a nota, mas hoje precisamos escrever uma carta comercial ou um artigo para a revista, mandar um e-mail, procuramos dentro de nós e... onde foi parar? Com certeza, não é um conhecimento disponível no presente. Não aprendemos de fato, pois uma das características da aprendizagem é ser aplicável: não apenas saber, mas poder usar o que se sabe.
Agora, aquela música dos Incríveis... aquela você nunca mais esqueceu! Às vezes se pega cantarolando era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones. Gostando ou não gostando, ela ficou.
Por que a música permaneceu e a mesóclise foi pro espaço?
- Porque a música era fácil. – Alguém diz.
Acontece que outras coisas eram muito mais fáceis e você esqueceu, como o telefone da sua cunhada, enquanto reteve inúmeros dados difíceis, como um vocabulário de centenas de palavras e expressões em Inglês.
Mesmo sem entrar presentemente na relação entre memória e aspectos emocionais/sentimentais, ainda assim podemos entender o que acontece, com a ajuda de modernas teorias da aprendizagem. Elas consideram o conhecimento como sendo uma construção íntima de cada ser, uma elaboração da mente, construindo, desmontando e reconstruindo estruturas de pensamentos, sempre a partir do que percebeu e experimentou.
Há, certamente, os fatores externos, as possíveis estimulações, que são recursos que podem despertar o interesse do aluno para um determinado tema, numa atitude de curiosidade e atenção. Mas a realidade é que ninguém controla o modo como o outro aprende, ou quando chegará a aprender o que pretende ensinar. A prova disso é que aprendemos muito com nossos pais (e não apenas do que esperavam que aprendêssemos!), mas há certas áreas em que eles nunca conseguiram modificar nosso jeito de pensar.
E assim também acontece com as nossas crianças. Dizer que cada criança é um mundo parece clichê, mas é a mais pura verdade. Tudo o que ela já viveu, nesta encarnação e nas anteriores; tudo o que já fez, descobriu, percebeu, intuiu e pensou; os filmes que assistiu, as conversas que ouviu, as histórias que leu; tudo participa do seu modo de ver o mundo e de aprender. Que conceitos adquiridos entram na formação de suas conclusões sobre as coisas? Nunca saberemos totalmente. Mas o que se sabe é que as informações e os exemplos a que se expõe sempre podem influenciá-la mais ou menos intensamente - o que é nossa porta de entrada, como educadores, neste seu mundo tão particular. O que se pode fazer é criar um meio propício, é oferecer, à inteligência, a argamassa, o material de construção em quantidade e qualidade suficientes para que a criança construa suas estruturas de pensamento da melhor maneira, com o melhor tipo de informação e os melhores exemplos possíveis.
E aqui chegamos à importância dos livros e da leitura neste processo.
Ler é saber. O primeiro resultado da leitura é o aumento de conhecimento geral ou específico.
Ler é trocar. Ler não é só receber. Ler é comparar as experiências próprias com as narradas pelo escritor, comparar o próprio ponto de vista com o dele, recriando idéias e revendo conceitos.
Ler é dialogar. Quando lemos, estabelecemos um diálogo com a obra, compreendendo intenções do autor. Somos levados a fazer perguntas e procurar respostas.
Ler é exercitar o discernimento. Quando lemos, colocamo-nos de modo favorável ou não aos pontos de vista, pesamos argumentos e argumentamos dentro de nós mesmos, refletimos sobre opções dos personagens ou sobre as idéias defendidas pelo autor.
Ler é ampliar a percepção. Ler é ser motivado à observação de aspectos da vida que antes nos passavam despercebidos.
Ler bons livros é capacitar-se para ler a vida."
Rita Foelker
2.- A IMPORTÂNCIA DA LEITURA (11/7/2006)
"A prática da leitura se faz presente em nossas vidas desde o momento em que começamos a "compreender" o mundo à nossa volta. No constante desejo de decifrar e interpretar o sentido das coisas que nos cercam, de perceber o mundo sob diversas perspectivas, de relacionar a realidade ficcional com a que vivemos, no contato com um livro, enfim, em todos estes casos estamos, de certa forma, lendo - embora, muitas vezes, não nos demos conta.
A atividade de leitura não corresponde a uma simples descodificação de símbolos, mas significa, de fato, interpretar e compreender o que se lê. Segundo Angela Kleiman, a leitura precisa permitir que o leitor apreenda o sentido do texto, não podendo transformar-se em mera decifração de signos linguísticos sem a compreensão semântica dos mesmos.
Nesse processamento do texto, tornam-se imprescindíveis também alguns conhecimentos prévios do leitor: os linguísticos, que correspondem ao vocabulário e regras da língua e seu uso; os textuais, que englobam o conjunto de noções e conceitos sobre o texto; e os de mundo, que correspondem ao acervo pessoal do leitor. Numa leitura satisfatória, ou seja, na qual a compreensão do que se lê é alcançada, esses diversos tipos de conhecimento estão em interação. Logo, percebemos que a leitura é um processo interativo.
Quando citamos a necessidade do conhecimento prévio de mundo para a compreensão da leitura, podemos inferir o caráter subjetivo que essa atividade assume. Conforme afirma Leonardo Boff, 'cada um lê com os olhos que tem. E interpreta onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender o que alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é a sua visão de mundo. Isto faz da leitura sempre um releitura. [...] ' Sendo assim, fica evidente que cada leitor é co-autor.
A partir daí, podemos começar a refletir sobre o relacionamento leitor-texto. Já dissemos que ler é, acima de tudo, compreender. Para que isso aconteça, além dos já referidos processamento cognitivo da leitura e conhecimentos prévios necessários a ela, é preciso que o leitor esteja comprometido com sua leitura. Ele precisa manter um posicionamento crítico sobre o que lê, não apenas passivo. Quando atende a essa necessidade, o leitor se projeta no texto, levando para dentro dele toda sua vivência pessoal, com suas emoções, expectativas, seus preconceitos etc. É por isso que consegue ser tocado pela leitura.
Assim, o leitor mergulha no texto e se confunde com ele, em busca de seu sentido. Isso é o que afirma Roland Barthes, quando compara o leitor a uma aranha:
'[...] o texto se faz, se trabalha através de um entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido - nessa textura -, o sujeito se desfaz nele, qual uma aranha que se dissolve ela mesma nas secreções construtivas de sua teia.
Dessa forma, o único limite para a amplidão da leitura é a imaginação do leitor; é ele mesmo quem constrói as imagens acerca do que está lendo. Por isso ela se revela como uma atividade extremamente frutífera e prazerosa. Por meio dela, além de adquimirmos mais conhecimentos e cultura - o que nos fornece maior capacidade de diálogo e nos prepara melhor para atingir às necessidades de um mercado de trabalho exigente -, experimentamos novas experiências, ao conhecermos mais do mundo em que vivemos e também sobre nós mesmos, já que ela nos leva à reflexão.'
E refletir, sabemos, é o que permite ao homem abrir as portas de sua percepção. Quando movido por curiosidade, pelo desejo de crescer, o homem se renova constantemente, tornando-se cada dia mais apto a estar no mundo, capaz de compreender até as entrelinhas daquilo que ouve e vê, do sistema em que está inserido. Assim, tem ampliada sua visão de mundo e seu horizonte de expectativas.
Desse modo, a leitura se configura como um poderoso e essencial instrumento libertário para a sobrevivência do homem.
Há entretanto, uma condição para que a leitura seja de fato prazerosa e válida: o desejo do leitor. Como afirma Daniel Pennac, "o verbo ler não suporta o imperativo"*. Quando transformada em obrigação, a leitura se resume a simples enfado. Para suscitar esse desejo e garantir o prazer da leitura, Pennac prescreve alguns direitos do leitor, como o de escolher o que quer ler, o de reler, o de ler em qualquer lugar, ou, até mesmo, o de não ler. Respeitados esses direitos, o leitor, da mesma forma, passa a respeitar e valorizar a leitura. Está criado, então, um vínculo indissociável. A leitura passa a ser um imã que atrai e prende o leitor, numa relação de amor da qual ele, por sua vez, não deseja desprender-se."
* O destacado é da responsabilidade cá do Manuel...
Maria Carolina
(Professora de Língua Portuguesa e Redação do Ensino Médio e Normal )
3.- Importância da Leitura
"Poucos brasileiros entendem o que lêem. Não passam de 25% segundo pesquisa recente do Ibope. Vale dizer que a maioria da população mantem-se nos limites de uma deficiência instrumental que torna sombrio o prognóstico quanto ao futuro da nação. A leitura é um dos últimos recantos da liberdade intelectual. Quem lê cria tanto ou mais que o autor. Com a imaginação solta, o leitor elabora mentalmente os cenários, compõe o perfil dos personagens, interpreta diálogos, identifica afinidades pessoais e vive, a seu modo, o prazer e a infinitude das emoções potencialmente contidas no texto.Quem lê não recebe imagens prontas, coloridas, acabadas. Tem de construí-las pelo processo do entendimento e interpretação. Suas emoções não são pautadas pelas vinhetas da mídia eletrônica que padronizam as emoções do telespectador ?sempre passivo ?, para modelar a opinião pública que interessa aos produtores. O leitor nunca é passivo. Exercita, o tempo todo, os mecanismos psicodinâmicos que fundamentam,estruturam e aperfeiçoam a consciência. Por isso, desenvolvea criatividade, refina a percepção, aprimora o senso crítico e fica imune às manipulações que a comunicação pela imagem veicula como ingredientes de dominação. A leitura é problematizadora, induz a reflexão, suscita hipóteses, faz pensar. Já a comunicação pela imagem, ao ser utilizada como ferramenta de controle da opinião pública, é a negação do pensamento. Não passa de show visual cheio de efeitos especiais que despertam a sensação do fantástico, do extraordinário, do instantâneo e promovem a preguiça mental do expectador por meio do deslumbramento programado. E o deslumbrado não pensa, admira. Não critica, assimila. Não forma sua opinião, repete a que recebe. Não reage, absorve.Não cria, consome. Não resiste, deixa-se aculturar. Não se afirma, submete-se. Não por acaso, as sociedades menos desenvolvidas e mais dominadas são justamente as que menos lêem. São aquelas que admitem o analfabetismo com naturalidade, se é que suas elites não o perpetuam deliberadamente. Aliás, um dos indicadores de desenvolvimento usados na atualidade é o número de televisores difundidos pelo país. Não é o número de livros publicados ou lidos pelo cidadão. Os grupos dominantes sabem muito bem que a palavra escrita é incontrolável e portanto libertadora, enquanto a imagem pode ser cientificamente ??editada?? para inibir a liberdade de pensamento. Nesse sentido, a palavra pertence à sintaxe da revolução, enquanto a imagem é a fonte da ilusão conservadora. A Santa Inquisição não queimava apenas as ??bruxas?? e os hereges. Incinerava montanhas de livros em praça pública para que não fossem lidos. Da mesma forma, em nosso país, agentes dos governos militares invadiam casas de ??subversivos??,apreendiam e destruíam livros cujos títulos e autores integravam a lista dos proscritos do regime. Os jornais escritos foram duramente censurados, quando não empastelados.Em vez de criarem escolas para alfabetização e estímulo à leitura, optaram pela rede de televisão concebida como monopólio destinado a subjugar o povo, impondo-lhe novos padrões de consumo e dependência externa. Nos primeiros momentos houve necessidade de recurso às tropas para sufocar a resistência das gerações ainda formadas pela leitura. Mas, com o passar dos anos, a estratégia de controle pela mídia eletrônica produziu os resultados projetados. As gerações educadas pelos shows domingueiros e pela Xuxa de todas as manhãs foram se distanciando do hábito de ler e se desinteressando da palavra, do pensamento crítico, do vernáculo. A invasão cultural não tardou a nos americanizar, transformando-nos em consumidores da Disney, da violência enlatada, ou dos Big-Macs que já têm o sabor dos novos tempos. A comunicação pela imagem eletrônica é a tropa de ocupação dos tempos modernos. Sua eficiência é indiscutível. O império mais violento da história da humanidade é mantido e ampliado por meio das imagens cuidadosamente montadas que nos chegam via satélite. O último recanto da liberdade intelectual vai sendo assim tomado de assalto pela ditadura eletrônica. Opensamento humano tornou-se prisioneiro de telas e cabos. Contudo, nos piores momentos de repressão, nunca se deixou de escrever e ler. Ainda que clandestinamente. E foi, quase sempre, na clandestinidade que se produziram os textos e leituras que transformaram a história do homem. O escritor e o leitor dos dias atuais não são espécies em extinção, mas militantes da resistência libertária empurrados para a clandestinidade. Vivem nas catacumbas do atual império, mantendo, com a palavra escrita e a leitura, a réstia de luz transformadora que emana do ato de pensar para iluminar os rumos do futuro."
Fernando Cesar Lima Leite
(Artigo publicado no Correio Braziliense em 24/09/2003)
4.- A Importância da Leitura
"Ler é essencial. Através da leitura, testamos os nossos próprios valores e experiências com as dos outros. No final de cada livro ficamos enriquecidos com novas experiências, novas ideias, novas pessoas. Eventualmente, ficaremos a conhecer melhor o mundo e um pouco melhor de nós próprios.
Ler é estimulante. Tal como as pessoas, os livros podem ser intrigantes, melancólicos, assustadores, e por vezes, complicados. Os livros partilham sentimentos e pensamentos, feitios e interesses. Os livros colocam-nos em outros tempos, outros lugares, outras culturas. Os livros colocam-nos em situações e dilemas que nós nunca poderíamos imaginar que encontrássemos. Os livros ajudam-nos a sonhar, fazem-nos pensar.
Nada desenvolve mais a capacidade verbal que a leitura de livros. Na escola aprendemos gramática e vocabulário. Contudo, essa aprendizagem nada é comparada com o que se pode absorver de forma natural e sem custo através da leitura regular de livros.
Alguns livros são simplesmente melhores que outros. Alguns autores vêem com mais profundidade o interior de personagens estranhas, e descrevem o que eles vêem e sentem de uma forma mais real e efectiva. As suas obras podem exigir mais dos leitores: consciência das coisas implicadas em vez de meramente descritas, sensibilidade às nuances da linguagem, paciência com situações ambíguas e personagens complicadas, vontade de pensar mais profundamente sobre determinados assuntos. Mas esse esforço vale a pena, pois estes autores podem proporcionar-nos aventuras que ficam na nossa memória para toda a vida.
Relativamente aos escritores em si, é difícil muitas vezes começar a ler livros de um novo escritor, o que nos leva a desistir ao fim de poucas páginas. É essencial perseverar. A maioria da boa escrita é multi-facetada e complexa. É precisamente essa diversidade e complexidade que faz da literatura uma actividade recompensatória e estimulante.
Muitas vezes um livro tem que ser lido mais de uma vez e com abordagens diferentes. Estas abordagens podem incluir: uma primeira leitura superficial e relaxada para ficar com as principais ideias e narrativa; uma leitura mais lenta e detalhada, focando as nuances do texto, concentrando-nos no que nos parece ser as passagens chave; e ler o texto de forma aleatória, andando para trás e para a frente através do texto para examinar características particulares tais como temas, narrativa, e caracterização dos personagens.Todo o leitor tem a sua abordagem individual mas o melhor método, sem dúvida, de extrair o máximo de um livro é lê-lo várias vezes."
Dioclécio Campos Júnior
(Médico, professor titular de pediatria da UnB e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria)
5.- Sobre o gosto da leitura na escola
[A autora enumera alguns pressupostos para a introdução dos alunos no mundo da literatura, como a importância de ter um ambiente cultural no qual o livro esteja presente, de ampliar o repertório do aluno apresentando-o a uma diversidade de gêneros textuais, de ensinar a ler com prazer, de respeitar as escolhas dos jovens diante do universo desvelado pelos livros. Aborda ainda a estreita ligação entre o ler e o escrever, oferecendo sugestões de exercícios para o desbloqueio da escrita criativa.]
"O professor de literatura e crítico literário, C. F. Moisés, com quem estudo há 10 anos, na apresentação de seu livro “Poesia não é difícil” cita questões muito comuns de serem ouvidas na escola: ‘Como posso gostar de poesia se não a entendo?’ ‘E como entender sem gostar?’ (1) Ficamos em um círculo vicioso, uma armadilha, afirma o autor, pois como saber se gostamos (ou não) se não a conhecemos? Aí entra o papel do professor educador e mediador da cultura em introduzir novos conteúdos e novas experiências no mundo do aluno. Mas como? Eis a questão crucial. O objetivo deste texto é enumerar alguns pressupostos e algumas atividades de linguagem como idéias a serem adaptadas por vocês, professores, em seus planos.
Um pressuposto refere-se à significação de um ambiente cultural na formação do leitor. Desde muito pequenos, os alunos podem ‘ler’ textos, entendido o verbo de forma não literal: quando o professor lê para a classe, quando o aluno conta suas vivências na roda, quando o aluno ouve o colega contar ou descrever algo, quando o aluno ouve uma cantiga e sua letra, quando o aluno ‘lê’ ilustrações de um livro, quando ele tem acesso constante aos livros da sala ou da biblioteca, quando sabe que a leitura é uma atividade valorizada pelo professor.
Sabemos das dificuldades de obtenção e veiculação de livros nas escolas. Bibliotecas sem bibliotecários, livros não tombados e, portanto, não passíveis de circulação, mas sabemos também que existem outras formas de contornar essa situação. Saraus, pedidos em editoras, mutirões do livro, de organização das salas de leitura, feiras culturais, intercâmbios entre classes, cartas a autoridades competentes, etc. são alguns dos recursos que a escola deve utilizar para garantir o acesso do aluno ao livro.
Outro pressuposto refere-se ao grau de complexidade dos textos e das atividades com textos. Não devemos poupar os alunos de novos desafios. A função da escola é ensinar novidades, ampliar o repertório do aluno com exposição de maior diversidade de gêneros textuais. A dosagem e as exigências serão planejadas considerando que a formação do leitor é um processo de amadurecimento. Quanto antes começar, mais sentido fará na vida do aluno-leitor. O livro é um objeto inserido em um contexto. Tem autoria, propósito, um tempo e um espaço delimitado (de criação e de circulação). Saber sobre o autor e sua época, conhecer suas condições de produção ajuda a inferir sobre outros tempos e outros espaços.
Um exercício interessante é o de comparar textos literários de uma mesma temática, mesmo local e épocas diferentes, ou textos oriundos de culturas diferentes abordando o mesmo tema. “É a polifonia e a pluralidade contra o monólogo e a palavra autoritária”. (Sonia Kramer) (2)
Intertextualidade. Por exemplo, mixar conteúdos da História com textos literários também é um recurso em que ambas as áreas ficam enriquecidas. Sabemos que a escola tem um plano a cumprir e dentro dele as atividades de linguagem que devem ser realizadas e avaliadas. Ensinar a ler com prazer, a tirar proveito pessoal da leitura esbarra quase sempre na questão do número de alunos na sala para acompanhar e na dificuldade em avaliar objetivamente o aproveitamento, o prazer e a fruição. Mas sem paixão não avançamos. Principalmente quando pisamos na seara da literatura. Ensinar as características estruturais dos gêneros, as combinações lingüísticas possíveis em um texto, a organização das palavras, a comunicação de idéias não devem matar o prazer, não podem impedir que a leitura faça sentido pessoal e íntimo na vida do aluno.
Outro pressuposto é respeitar a escolha do aluno. Imaginem uma pequena cidade em que seus habitantes só conhecem comida brasileira. Vivem tranqüilos sem saber ou sem querer saber o que existe de diferente lá fora. Aí chega um grupo de imigrantes do Oriente trazendo seus costumes, temperos e especiarias. O que pode acontecer?
A – os dois grupos não se comunicarem.
B – os dois grupos trocarem suas especificidades e criarem um terceiro grupo.
C – os dois grupos aceitarem as mútuas contribuições, mas manterem sua identidade.
Esse é um exemplo do que pode acontecer com quem tem contato com o conhecimento. Transformação. Mas não acontece de imediato, nem uniformemente. É um processo e, como tal, é variável. Especificamente na arte, e dentro dela na literatura, esse processo tem finalidade de aumentar a autoconsciência humana.
“A literatura é um autêntico e complexo exercício de vida, que se realiza com e na linguagem”. Nelly N. Coelho (3) As possibilidades combinatórias são muitas e cada um responde de acordo com sua história, seus sentimentos e possibilidades.
Imaginem agora se todas as pessoas da mesma cidade só conhecessem histórias de saci e lobisomem. Chega na cidade o grupo do Oriente trazendo histórias de califas e odaliscas, nunca antes ouvidas. Respondam: o que pode acontecer? Essas analogias nos permitem entender o que muda quando o novo penetra em nosso mundo, as dificuldades de aceitação, o acréscimo que pode significar e a mudança que pode provocar.Existe uma estreita relação entre produção de textos e leitura. Segundo Citelli (5), a escrita constante pode despertar maior interesse pela leitura. O pressuposto subjacente é que durante o percurso da escrita, os alunos tendem a se expressar cada vez melhor com menos clichês e mais identidade. Nem tudo que nos apresentam ou que conhecemos tem unanimidade. Podemos falar em tendências, cada classe social, cada bairro, cada sala de aula têm características próprias pois vivem histórias de vida similares. Assim, o professor pode dizer:
‘- minha classe gosta de livros de aventuras’, ou ‘minha classe adora gibis’, como um bloco, mas devemos oferecer opções e respeitar as diferenças. A leitura e a escrita são, portanto, construídas ao longo da vida escolar com respeito à individualidade, incentivo à narração pessoal, desejo de ser lido ou ouvido.
Os passos da escrita criativa:
1 – narrar e escrever tudo e sempre como uma rotina escolar.
2 – encontrar com o professor e colegas um assunto de interesse para escrever.
3 – começar com o que Lucy McCalkins (4) chama de ensaio, uma primeira escrita.
4 – esboço ou desenvolvimento da escrita. “Ponha no papel”, diz o escritor W. Faulkner, “aproveite a chance. Pode ser mau, mas este é o único modo pelo qual você poderá fazer algo realmente bom”.
5 – revisão – ver novamente, ler para os colegas e professor e reescrever em todas as etapas.
6 – edição – fazer o texto excrito circular, mesmo entre os colegas.
Quem escreve, escreve para ser lido e, às vezes, a escola engaveta e só corrige os escritos e esquece do seu autor.
Vamos descrever alguns exemplos de exercícios de desbloqueio da escrita criativa:
1 – o professor sugere: “Abri a gaveta e encontrei...”. O aluno continua o texto escrevendo com: palavras que tenham 2 ou 3 sílabas, comecem com p, m ou s, rime, etc.
2 – o professor leva um texto com ausência de pontuação para os alunos lerem e pontuarem.
3 – o professor dá um poema e pede paráfrase com modificações do personagem, do cenário, etc.
4 – imaginar um personagem não humano, descrevê-lo com características humanas.
5 – pensar o que existe no mar e adjacências e escrever um período combinando palavras pelo parentesco sonoro, ex: areia com ceia, alga com algo.
6 – o professor escolhe algumas palavras, ex. – dia – e os alunos devem atribuir um sentido comum e um sentido figura à palavra.
7 – ad-verso: o professor dá dois versos de uma quadra e pede que os alunos emendem com outros dois versos de um outro assunto.
Esses exercícios podem ser trocados, completados em duplas, dramatizados, tec. Nessa etapa ainda não está em pauta o conteúdo, mas o desbloqueio da escrita.
Referências bibliográficas e sugestões de links:
1 – Poesia não é difícil, Moisés, Carlos Felipe ed. Artes e Ofícios 1996
2 – Diálogos com Bakhtin, Castro, Faraco, Tezza (org) cap. 7 Kramer, Sonia ed. UFPR 2001
3 – Literatura: arte, conhecimento e vida, Coelho, Nelly Novaes ed. Peirópolis 2000
4 – A arte de ensinar a escrever, Calkins, Lucy McCormick ed. Artmed 1986
5 – Produção e leitura de textos, v. 7, Citelli, Beatriz ed. Cortez 2001
6 – Trabalhando com poesia, Beraldo, Alda ed. Ática 1990
7 – Oficina de linguagem, Condemarín, M., Galdames, V., Medina, ª ed. Moderna 2002
Miriam Mermelstein
(Pedagoga e autora de obras de Literatura Infantil, tendo ministrado as oficinas “A poesia em sala de aula” e “Abraçando a palavra” no CRE Mario Covas, durante o 1º semestre de 2004)
6.- A importância da leitura do livro religioso
"1. Importância da leitura
A leitura é uma das formas privilegiadas da formação humana. Apesar da evolução das técnicas mais sofisticadas de uso na comunicação, o livro continua a ter um lugar próprio e insubstituível na formação cultural do espírito humano. Pela leitura formamos e ajustamos critérios de vida, adquirimos conhecimentos, apuramos e sintonizamos sentimentos, fazemos opções de vida... Um bom livro abre-nos novos horizontes, aponta-nos metas, estimula o desejo de saber, entusiasma as vontades humanas, "aquece o coração"!
Ler é um bom exercício das faculdades humanas superiores: desenvolve o raciocínio, provoca associações de imagens e ideias, alarga perspectivas no campo dos saberes, ajuda a encontrar explicação para as interrogações da vida, contribui para aclarar os segredos da natureza e da vida!
2. As qualidade da leitura
A leitura é uma espécie de alimento humano: não sacia os apetites do estômago, mas dá conforto à fome do espírito. Da sua boa qualidade depende, em grande parte, a orientação da vida dos que a cultivam. Parafraseando um ditado popular usado noutro contexto, poderíamos dizer: "diz-me o que lês e dir-te-ei o que pensas e fazes"!
A nossa inteligência e o nosso "coração" têm a tendência para se identificarem com as mensagens lidas: se forem boas, haverá que esperar bons frutos; se forem menos boas, ou mesmo más, corremos o risco de nos identificarmos com elas, degradando a vida, o pensamento e o apreço pelos verdadeiros valores.
3. O livro religioso
A religião é uma proposta de vida que somos convidados a acolher e a abraçar, de modo inteiramente livre. O livro é um óptimo instrumento de apoio ao percurso religioso de cada um. Tal percurso dependerá, em grande parte, da qualidade de leitura religiosa que cultivarmos.Ler por ler, ou só por curiosidade, sem bases sólidas do que desejamos verdadeiramente, pode não contribuir para uma formação firme e robusta. Uma vez feita uma opção religiosa de fé, a leitura religiosa contribuirá, em muito, para o aprofundamento da própria fé e desenvolverá um sentido do religioso, mais puro e autêntico. Nem todos os livros ditos "religiosos" têm o mesmo valor. Importa saber escolher. Será bom, para quem queira progredir no aprofundamento da fé, escolher autores sólidos e esclarecidos, que afinem a própria fé com as suas fontes inspiradoras e as cotejem continuamente com a fé da comunidade em que se integram. Num livro religioso há que procurar: solidez de doutrina, análise das realidades da vida de cada tempo e reencontro com as origens básicas da fé, que justificam o argumento do livro. Um bom livro religioso ajudará a conhecer melhor os conteúdos da fé, fornecerá razões à esperança que nos anima, alimentará o espírito humano, dando sentido ao seu viver e orientação para os comportamentos harmonizados com a doutrina que é objecto da fé professada. Da escolha das leituras religiosas que fizermos, dependerá, em grande medida, o nosso comportamento humano, moral e religioso e a própria felicidade da cada um."
D. Manuel Madureira Dias
(Bispo do Algarve)